quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Problema com as mãos levantadas


Para tratar o tema deste artigo, irei antes, narrar o engraçado equívoco que acabou me levando ao lugar de inspiração para este assunto.


A ida para onde não fomos



Já estava tudo certo. Apesar do leve atraso, saímos de Queimados próximo das 18h. A van nos levaria à igreja aonde iríamos cantar canções do nosso ainda não lançado CD. Havia mais três carros formando a caravana. Felizes, com nossos instrumentos afinados, com as vozes limpas e ensaiadas para harmonizar as canções, seguíamos em direção a Caxias. Na primeira parada para abastecer, alguém decidiu ligar para um membro da outra igreja e confirmar o endereço:


– Irmão, paz-do-Senhor. Só confirmando: o endereço é a rua tal, próximo ao lugar tal, no bairro tal, ok? – disse um ser do nosso comboio.


– Sim, está certinho. No sábado que vem agente aguarda vocês – afirmou o irmão-da-outra-igreja.


– Mas já estamos indo pra indo pra ai! – já pálido, o nosso mediador das comunicações.


– Não querido, hoje não tem culto, o evento que lhe convidamos é na próxima semana! – indagou o crente da outra igreja.


– Sério? E nós já estamos no meio do caminho com quatro carros e um monte de crentes músicos! – Já suava.


– Sinto muito irmão-da-igreja-convidada. Esperamos vocês no próximo sábado, até lá!



Genial. Ficamos parados no posto, ligando para não-sei-quem ao lado do delicioso e caro Milk Shake de Ovomaltine do Bob’s. Minha reação foi rir, e rir muito! Os outros acabaram rindo também. Até o motorista da van riu, afinal, receberia seus duzentos paus para não ir aonde ia. Que legal!



Não havia nada a ser feito. Então lembramos que ali perto tinha uma igreja gospel onde estaria presente um grupo ex-secular-agora-salvo se apresentando, e a entrada era franca. Partimos prá lá. Só um carro voltou para casa. Chegando lá, tentamos um local para sentar, mas estavam todos marcados com bíblias-marcadoras-de-lugar. Fomos para porta da igreja, pois ventilava um pouco mais que no interior do templo. E lá ficamos.



Mãos, prestes a levantarem-se



Tempo vai, tempo vem e então foi dada a largada: Que cantem os anjos! Que dancem as Miriãs! O culto vai começar. Uma irmã, animada, toma o microfone e inicia o interrogatório congregacional:


– Quem ta feliz diz: Glória a Deus!


– Quem veio aqui para adorar, e não para ver o Grupo famoso, bata palmas! – é claro que eu não bati.


– Pergunta pro seu irmão ao seu lado o que ele veio fazer aqui. – Essas e outras perguntas abrilhantavam a abertura do evento. O legal é que no meio das perguntas, agente ouvia o mistério de línguas estranhas turbinadas pela pastora-que-abre-cultos.



Então o levita iniciou a ministração e a chapa começou a esquentar. Sendo sincero: as músicas cantadas eram belas, as letras (menos uma da autoria deles) eram coesas. Mas o lance das mãos já começara a me intrigar.



Mãos pro alto! – isso não foi um assalto.



Já que estávamos na porta, meus amigos e eu tínhamos a visão de todo o palco, além da movimentação no show. E bem a minha frente estava o obreiro-porteiro-recepcionista-staff-organizador do culto. Foi ele.



Na abertura do culto ele ergueu as duas mãos. Elas estavam na altura dos ombros. Os pulso, 43° envergados pra trás. Os dedos caíam pra frente, com exceção do polegar, dando a impressão de atrofia. Pensei: “ele está adorando, ora!” – mas eu não sabia o quanto aquilo era importante pra eles.



O louvor acabou. A igreja sentou. Eu fiquei em pé na porta. Outro irmão recebeu o microfone do levita. Fez uma chorosa oração em que cantou novamente o refrão da ultima canção. O indivíduo a minha frente continua com as mãos pro alto.



Então chamaram o grupo famoso. Eles se apresentaram e saudaram o povo. Tudo normal. Menos o irmão, que ouvia em silêncio o grupo falar, com o olhar fixo no palco e as mãos… adivinhem: Levantadas!



Meu Deus, o irmão não cansa! Depois de algumas três ou quatro canções o grupo famoso desceu do altar e um pastor europeu (alguém me disse que ele era europeu) abriu a bíblia para ministrar uma palavra de encorajamento (para ofertar, é claro). Nisso eu fui lanchar. Comi um salgado sem recheio, um kibe cru e um crepe derretido que caiu do palito. Tudo bem, eles eram só um real cada.



Voltei pra porta da igreja e lá estava ele. Parecia mais um sofrido sendo assaltado. Ele cochichava e ria com outro irmão-porteiro-e-etc, e mesmo durante o rápido diálogo as mãos ficaram estendidas! Comecei a imaginar o irmão no banheiro fazendo pipi com uma das mãos pro alto, ou no trono, relaxado, com as mãos estendidas. Que cena. Ela não abaixava as mãos pra nada.



Então como numa revelação transcendental eu vi. O outro irmão que conversava com ele também estava na posição-da-mão-rendida. Não acreditei. Olhei pros lados, murmurei com uns amigos, e pior: percebi que todos os obreiros estavam com as mãos pro alto.



Eles eram normais, falavam normalmente, conversavam como nós, mas as mãos… as mãos… estavam por alto!



Isso me intrigou muito. Fiquei criando o ambiente onde eles fazem reunião com os obreiros da igreja. O pastor deve falar: “e não esqueçam: adorem! Vocês são os exemplos, mãos pro alto o tempo todo!”. Será? Num sei, mas suspeito.



A adoração ensinada



Pode parecer engraçada a historia, até que é, mas é também preocupante. Tudo isso que narrei aconteceu realmente. Esse é o problema.



Não quero julgar os irmãos da igreja que visitamos. Até porque se eles fossem me julgar eu sairia perdendo. Mas posso comentar os atos que vi ali. Estes, não acontecem numa igreja apenas, mas em todas, pelo menos em alguns momentos.



Isto reflete a distorção do real sentido de adoração que é ensinado em nossas igrejas. “Você tem que adorar assim… Ta na hora de adorar… quero ver vocês adorando!” – coisas ditas regularmente no meio gospel-evangélico. Mas será que existe uma forma (como a que faz bolos) para adorar a Deus? Será que existe um momento exato para adoração? E lugar, existe só um lugar para adorar?



É loucura dizer que só a igreja é lugar de adoração. Eu não vou à igreja para adorar a Deus. Não vou mesmo. Vou à igreja porque eu Adoro a Deus. É bem diferente. Não preciso ficar fazendo gestos mecanizados, parecendo mais um alienado a base de anestésico, para mostrar aos outros que estou adorando.



Eu adoro quanto durmo, quando acordo. Quando tomo banho. Quando vou ao trono (esse mesmo!). Adoro de pé, sentado, deitado. Com mãos pra cima, pra baixo, pro lado… Adoro quando amo, quando perdôo, quando sou humilhado, perseguido, quando clamo na minha fraqueza, quando me arrependo de ter pecado. Adoro quando faço o bem, quando sou tolerante, quando peço desculpas, quando sou grato a alguém, quando ignoro a inimizade e trato bem os inimigos. Adoro nas lágrimas, no riso, na reflexão, na pouca fé, na adversidade, na dúvida, na inconstância, nos desencantos. Adoro em casa, na faculdade, na estrada, no supermercado, shopping, no cinema, na livraria, no estacionamento. Adoro na expressão de uma canção, no silêncio sábio, na audição amiga, na observação na criação, na observação da dura realidade, nas paixões, nos laços amigos. Adoro.



Se a minha vida não chegar até Deus como incenso queimado, a cruz não alcançou minha fé. Se a graça não me permitir assim crer, ela não é graça. Vejo muita gente tentando adorar do jeitinho adorativo. Os carismáticos, os pentecostais, os neo-pentecostais, os ortodoxos, os crentes em geral, os religiosos, os legalistas… todos têm suas fórmulas mágicas, suas macumbas santas, sobre como adorar a Deus. Mas só há uma forma de adorar verdadeiramente.



Se Cristo vive em mim, ele não está comigo, mas está em mim. Entende a diferença de COM para EM? Cristo EM mim faz-me não ser eu mesmo. Eu quero me vingar, Ele quer amar. Eu quero só pra mim, Ele quer pra todos. Eu pago com mesma moeda, Ele toma para si o prejuízo. Eu sou criatura decaída, Ele é Santo. Logo, Ele vivendo EM mim, não mais vivo eu.



Portanto, todas as minhas ações devem refletir aquele que está EM mim. Se Ele estiver EM mim, pecarei menos. Arrepender-me-ei mais. Já não serei um mísero, inútil, sujo, perdido pecador ofertando lixo a Deus. Mas serei um redimido, limpo, justificado vivendo em graça e gratidão como sacrifício vivo ao Senhor. Isso é adoração.



O Senhor procura verdadeiros adoradores que o adorem em espírito e em verdade, mas Ele não procura robôs manipulados e enfeitiçados que só repetem coreografias mortas que nada produzem ao reino e em nada refletem no mundo decaído. Pense nisso quando for levantar suas mãos. É verdadeiro?



Hudson Almeida / Novembro 2009